quinta-feira, 6 de maio de 2010

MAYER; J. Arno:“A FORÇA DA TRADIÇÃO” a persistência do antigo regime (1848-1914)”. ed Companhia das letras. Pág 13-25.


Segundo Arno J. Mayer a Primeira e a Segunda nada mais são do que apenas um único conflito. A Guerra dos Trinta anos.
 Sendo uns dos principais motivos dessa guerra,a resistência que o antigo regime empreendeu para perpetuar-se no pensamento coletivo europeu.

 INTRODUÇÃO.
(P.13)  Este livro parte da premissa de que a Guerra Mundial de 1938-1945 estava umbilicalmente ligada a Grande Guerra de 1914-1918, e que esses dois conflitos constituíram nada menos que a Guerra dos Trinta Anos da crise geral do século XX.    (...)
(P.14) A segunda premissa é a de que a Grande Guerra de 1914, foi uma consequência da remobilização contemporânea dos anciens regimes (antigo regime) da Europa. Embora perdendo terreno para as forças do capitalismo industrial, as forças da antiga ordem ainda estavam suficientemente dispostas e poderosas para resistir e retardar o curso da história, se necessário recorrendo à violência. A Grande Guerra foi antes a expressão da decadência e queda da antiga ordem, lutando para prolongar sua vida, do explosivo crescimento do capitalismo industrial, resolvido a impor sua primazia.
A terceira e principal premissa deste livro é a de que a antiga ordem europeia foi totalmente pré-industrial e pré-burguesa. Durante muito tempo, os historiadores estiveram muito mais preocupados com essas forças inovadoras e a formação da nova sociedade do que com as forças de inércia e resistência que retardaram o declínio da antiga ordem.
Houve uma tendência marcante a negligenciar, subestimar e desvalorizar a resistência de velhas forças e ideias e o seu astucioso talento para assimilar, retardar, neutralizar e subjugar a modernização capitalista, incluindo a industrialização.
Para obter uma perspectiva mais equilibrada, os historiadores terão de considerar o grande drama da transformação progressiva, a implacável tragédia da permanência histórica e a interação dialética entre ambas.
(P.15)  Mas este livro se concentrará sobre a persistência da antiga ordem. O critério convencional ainda é o de que a Europa irrompeu de seu ancien regime e aproximou-se ou cruzou o limiar da modernidade muito antes de 1914.
            Para reconstruir a matriz histórica de onde se originaram a crise geral e a Guerra dos Trinta Anos do séc. XX, talvez seja necessário reconsiderar esse retrato de um mundo moderno com domínio pleno sobre uma antiga ordem recessiva e em esfacelamento. De qualquer forma, a tese deste livro é a de que os elementos “pré-modernos” não eram os remanescentes frágeis e decadentes de um passado quase desaparecido, mas a própria essência das sociedades civis e políticas situadas na Europa.
Significa sustentar que até 1914 as forças de inércia e resistência contiveram e refrearam essa nova sociedade dinâmica e expansiva no interior do antigo regime que dominavam o cenário histórico europeu.
(P.16)  Os velhos regimes da Europa eram sociedades civis e políticas com poderes, tradições, costumes e convenções diferentes. Precisamente por constituírem sistemas sociais, econômicos e culturais coerentes e integrais, dispunham de excepcional elasticidade. Mesmo na França, onde o antigo regime foi declarado legalmente morto entre 1789 e 1793, ele continuou a ressurgir de forma violenta e a sobreviver sob várias formas por mais de um século.
A sociedade civil da ordem antiga consistia, sobretudo, em uma economia camponesa e uma sociedade rural dominadas por nobrezas hereditárias e privilegiadas. Por toda a Europa, as nobrezas fundiárias ocupavam o primeiro plano em termos econômicos, sociais, culturais e políticos.
A sociedade política era o sustentáculo dessa sociedade agrária de ordens. Em todas as partes, ela assumiu a forma de sistemas absolutistas de autoridade com grau diversos de esclarecimento, encabeçados por monarcas hereditários.
(P.17)  A igreja era outro componente e pilar do antigo regime. Intimamente ligada tanto à coroa como à nobreza, estava, como elas, arraigada à terra, que constituía sua principal fonte de renda.
Todo regime estava impregnado pela herança do feudalismo que, se pressupunha, havia expirado com a Idade Média e fora afinal declarado “totalmente abolido” na França em agosto de 1789.
(P.18)  O duradouro sistema senhorial deixou uma profunda marca no antigo regime, ao perpetuar os nobres privilegiados que exaltavam e se arrogavam o espírito da lealdade pessoal, a prática das virtudes marciais e o dever do serviço público.
Como não se viram privados de sua posição quanto à propriedade da terra até 1914, os nobres mantiveram sua riqueza e status, embora os monarcas absolutos despojassem os nobres e senhores de sua autoridade política e militar soberana, assimilavam-nos em seu aparelho de Estado. A nobreza também se beneficiou de íntimas ligações com a igreja, cujos membros mais elevados provinham de altas estirpes, e cuja riqueza, como a dos nobres, continuava a ser esmagadoramente fundiária.
Assim, o feudalismo nitidamente dotou a antiga ordem europeia com muito mais que um mero revestimento de tradições, costumes e mentalidades de classe superior. Ele penetrou nos anciens régimens através de nobiliarquias posicionadas de modo a monopolizar postos econômicos, militares, burocráticos e culturais estratégicos.
(P.19)  Apesar desse crescimento do capitalismo no campo, a nobreza continuou a impregnar as altas esferas da sociedade, da cultura e da política com seu espírito feudal. A terra continuou a ser a principal forma de riqueza e renda das classes dirigentes e governantes até 1914.
Esse capitalismo empresarial gerou uma burguesia que, no máximo, era protonacional. Como classe, essa burguesia partilhava interesses econômicos, mas contava apenas com uma restrita coesão social e política.
(P.20)  Embora a economia inglesa fosse dominada pelo capitalismo manufatureiro e mercantil, a aristocracia continuava a ter supremacia. Isso porque a terra continuava a ser a principal fonte de riqueza e renda. A Inglaterra nunca se converteu numa “ordem burguesa” dirigida por uma burguesia “conquistadora” ou “triunfante”. Não houve nenhum movimento para remover a coroa, a corte real, a Câmara dos Lordes e a nobreza do serviço público.
Nas grandes potências continentais (com exceção da França) as elites agrárias estavam intactas, a agricultura se mantinha como uma atividade social fundamental, e as fronteiras inseguras justificavam a presunção militar de reis e nobres.
Apenas a França entre as grandes potências se converteu numa república em 1875. Mas manteve-se em sintonia com o restante do continente, com sua economia dominada pela agricultura e pela manufatura tradicional. Ironicamente, um excesso de democracia agrária e política impediu a industrialização francesa depois do início da segunda Revolução Industrial no final do século XIX.
(P.21)  Nem a Inglaterra nem a França haviam se tornado sociedades civis e políticas industrial-capitalista e burguesas em 1914. Todas eram igualmente anciens régimens fundados na predominância duradoura das elites agrárias, da agricultura, ou de ambas.
Como Joseph Schumpeter viu, os reis continuavam a ser por ordem divina, as “peças centrais” dos sistemas de autoridade da Europa. “O material humano da sociedade feudal” continuava a ocupar os cargos do Estado, comandar o exército e elaborar as políticas. O elemento feudal se mantinha como uma classe dirigente que se conduzia segundo moldes pré-capitalistas.
Ao controlar o que Schumpeter chamou de a “estrutura de aço” ou a “máquina política” do ancien régime, os elementos feudais ficaram em posição de estabelecer os termos para a implantação do capitalismo manufatureiro e industrial forçando a indústria a se ajustar dentro de estruturas sociais, classistas e ideológicas preexistentes. O capitalismo industrial distorceu e pressionou essas estruturas ao longo do processo, mas não ao ponto de ruptura ou desfiguração total. 
(P.22)  A velha classe governante tinha o apoio das nobrezas e dos interesses agrários, e consideravam a estrutura de aço do ancien régime como a armadura que protegeria suas posições privilegiadas, mas expostas. Além disso, os condutores do Estado obtiveram a lealdade da burguesia ao favorecer ou salvaguardar seus interesses econômicos.
Se os elementos feudais nas sociedades civil e política perpetuaram seu predomínio de modo tão eficiente, isso se deveu em grande parte ao fato de saberem como adaptar e renovar a si mesmos. Os recém-chegados ao serviço público tinham de passar por escolas de elite, ingerir o espírito corporativo e demonstrar fidelidade à antiga ordem como pré-requisitos para seu avanço.
Os magnatas fundiários não foram menos eficientes ao seu ajustarem aos tempos em transformação, absorveram e puseram em prática os princípios do capitalismo e da política de interesses sem, contudo, abdicar de sua concepção de mundo, postura e relações aristocrática.
Essa adaptação é tida como evidencia do desenobrecimento e desaristocratização da antiga ordem, ou aburguesamento inevitável, ainda que gradual, das classes dirigentes e governantes da Europa.
(P.23)  Mas há outro modo de encarar essa adaptação. As velhas elites primaram por ingerir, adaptar e assimilar, de maneira seletiva, novas ideias e práticas, sem ameaçar seriamente seu status, temperamento e perspectivas tradicionais. Qualquer que tenha sido a diluição e depreciação da nobreza, ela foi gradual e benigna.
Essa adaptação prudente e circunscrita foi facilitada pela avidez da burguesia em relação à cooptação e ao enobrecimento. Enquanto a nobreza era hábil na adaptação, a burguesia primava pela emulação. Ao longo do século XIX e início do XX, os grands bourgeois negaram a si mesmos, ao imitarem e se apropriarem dos modos da nobreza, esperança de ascender a ela. Se esforçavam para penetrar nos círculos aristocráticos e se casar dentro da nobreza titulada, solicitavam condecorações e cartas de patentes de nobreza. Os burgueses visavam à ascensão social por razões de proveito material, status social e gratificação psíquica.
Como parte de seu empenho em escalar a pirâmide social e demonstrar sua lealdade política, os burgueses abraçaram a alta cultura historicista e patrocinaram as instituições hegemônicas que eram dominadas pelas antigas elites.
O resultado foi o fortalecimento das linguagens, convenções e símbolos clássicos e acadêmicos nas artes e letras, em vez de estímulo aos impulsos modernistas. Os burgueses se permitiram ser envolvidos por um sistema cultural e educacional que defendia e reproduzia o ancien régime. Nesse processo minaram seu próprio potencial.
(P.24)  As mentalidades das elites europeias se transformaram muito lentamente e foi talvez o mais revelador de seu enraizamento contínuo a aliança com o antigo regime. Sua concepção de mundo era consoante com uma sociedade autoritária e hierárquica em vez de liberal e democrática.
Nos anos 1780, uma reação aristocrática em defesa de privilégios fiscais e burocráticos se tornara uma importante causa subjacente da Revolução Francesa.
(P.25)  De forma semelhante, entre 1905 e 1914 as antigas elites passaram a reafirmar e reforçar sua influência política, a  fim de defender seu predomínio material, social e cultural. Nesse processo, intensificaram as tensões nacionais e internacionais que produziram a Grande Guerra.
Ato final da dissolução do antigo regime na Europa.



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